Árvore da Vida, de Terrence Malick
A obra cinematográfica Árvore da Vida (2011), escrita e dirigida por Terrence Malick, está inserida em um contexto de produção e reflexão autoral muito peculiar: quando foi lançada e ganhou o prêmio do Festival de Cannes, já surgia na expectativa do regresso do diretor, que há 20 anos havia se ausentado dos círculos do cinema, por opção. Malick é estadunidense e não segue os parâmetros hollywoodianos de construção visual. Profundamente influenciado por sua interpretação da realidade (como aliás, todos o somos), o diretor ermitão se diferencia por expressar isso nas suas obras, outorgando uma assinatura única aos filmes.
Como alguém que estudou em um contexto católico, Terrence traz toda uma bagagem de símbolos, citações e questionamentos cristãos sobre a vida humana e a natureza. Tendo se formado em filosofia pela Universidade de Harvard e posteriormente lecionado algumas cadeiras no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), suas perguntas na tela e seus personagens roteirizados se distinguem pela busca de razões últimas, ontológicas, para suas ações — e ainda que os personagens não tenham esse tipo de posicionamento existencial no mundo, a narrativa desenhada nos convida a refletir nesse sentido.
Existencialismo, por sinal, é a teia que movimenta as histórias. Sabemos, pela sua biografia (já que o próprio diretor dificilmente dá entrevistas e nunca quer explicar seus filmes), que Malick dialoga profundamente com Martin Heidegger. Para ambos, a morte exerce fator crucial na compreensão de sentido acerca de si próprio e do mundo. Uma vida que não considera atentamente a morte é dita “inautêntica”, porque é apenas um recorte fraco da dinâmica natural do ser humano. No filme Árvore da Vida, a morte de um dos filhos da família é o início da trama: a partir da morte do menino de dezenove anos os personagens se posicionam, seja no passado ou no futuro, em relação a como viverão com essa lacuna, respondendo com fé na existência de algo superior.
A família se constitui do marido, da esposa e de seus três filhos homens, criados nos anos cinquenta nos Estados Unidos, em um típico bairro de classe média. Há um duelo constante do filho mais velho entre as influências exercidas pelo pai e pela mãe em seu caráter e personalidade. Esse embate o corrói por dentro desde a infância, já que ele não quer se parecer com o pai e ao mesmo tempo não consegue agir como a mãe. Há uma comparação velada entre o domínio da natureza e da graça no ser humano: de uma lado, uma força tremenda e incontrolável, ambiciosa e insatisfeita; de outro lado, uma submissão paciente e satisfeita à realidade do ser-aí.
No existencialismo fenomenológico de Heidegger, além da morte, a própria existência e o dar-se conta dela é fundamental. Assim, Malick nos faz ver no filme: à medida que o filho mais velho vai crescendo, observa a chegada de seus dois irmãos; quando a cena é cortada e passa a expressar os pensamentos da mãe e do pai em momentos diferentes da vida, são as dúvidas sobre o mundo que são colocadas. O interessante e muito perspicaz é que essas perguntas são direcionadas a Deus, que para Heidegger não é nomeado, mas que no filme é identificado dessa forma e acompanhado de orações, choros e símbolos como o batismo infantil, o frequentar a igreja e o estar diante da natureza crua.
É pelo lugar privilegiado que a consciência de estar no mundo exerce nas obras de Malick que Árvore da Vida mostra cenas do cotidiano na perspectiva dos personagens, como se eles estivessem olhando sem uma visão completa da cena. Esse fator nos traz mais pra dentro da realidade dos personagens e nos mostra que a história tem um significado em relação àquele que está vivendo, que tem sua experiência no agora. Durante recortes mostrados da vida, o filho mais velho tem que pedir perdão a Deus e aos familiares por pequenos delitos: ele perdoa ao abraçar o pai, ri com as brincadeiras da juventude e começa suas descobertas do sexo oposto, ainda muito iniciais. Mas o que ele entende, ou como organiza sua vida, não está preso ao tempo: no filme, passado e futuro dos anos setenta numa cidade muito tecnológica se interpõem, como uma lembrança revisitada para trazer uma luz, um entendimento, uma solução sobre a relação com Deus e consigo mesmo.
O filme não é convencional ou de fácil acesso a todos os públicos, mas causa grandes impressões com cenas belíssimas da origem do mundo, presentes ali por conta de uma parceria com a Paramount para uma série que Terrence Malick acabou por não filmar por completo, mas que desembocaram em Árvore da Vida. A trilha sonora clássica, junto com música sacra nitidamente religiosa, faz com que a sensação do espectador seja a de estar diante de algo sagrado, que impõe reverência, algo maior e mais sublime.
A natureza e a vida humana são dessas categorias, embora efêmeras porque visitadas pela morte, pela agonia e pelo pecado. Mas a presença sublime de Deus na realidade das coisas e Seu contato com o homem faz com que nenhum grito ou choro ou riso seja em vão. Nada é silenciado diante do Deus que tudo ouve, tudo vê e a tudo cria. Nada é em vão. Mesmo a morte não é grande demais para se sobrepor à Sua grandeza e nossa necessidade dEle. No final do filme, depois de várias cenas de encontro e busca, o filho mais velho (agora já homem) se reconcilia com sua família e consigo mesmo criança. Na busca de Deus, ele consegue se enxergar e enxergar os demais.
Árvore da Vida foi classificado por alguns críticos como um dos dez melhores filmes da década, mas para além de aspectos técnicos e de toda filosofia presente, para além mesmo de todos os mistérios em torno da pessoa de Terrence Malick, a presença de Deus na história pessoal é muito clara. Em um dos diálogos com seus próprios pensamentos, a Sra. O’Brien, mãe do falecido, responde à fala dos que a consolam:
Consoladores: “Ele está nas mãos de Deus agora.”
Ela: “Ele esteve nas mãos de Deus o tempo todo, não esteve? Minha esperança. Meu Deus, não temerei nenhum mal, nenhum mal, pois Tu estás comigo. O que Você ganhou? Não Te afastes de mim, o sofrimento está perto”.
Na angústia e no medo, temas comuns à filosofia existencial, Deus é a esperança.
Por Joyce Medeiros de Melo
Revisão: Ednardo Duarte e Luiza Zagonel
*O conteúdo deste texto é de responsabilidade de seu(s) autor(es) e colaboradores diretos e não reflete necessariamente a posição do TeachBeyond Brasil ou de sua equipe ministerial.
Referências:
http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/596715-terrence-malick-cineasta-da-natureza-e-da-graca http://www.ihu.unisinos.br/173-noticias/noticias-201 1/46655-a-arvore-da-vida-retoma-o-mito-de-terrence-malick http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/596716-o-misterio-terrence-malick https://www.rosebud.club/post/13072020
LIKE STORIES OF OLD. Transcending Heidegger – Understanding Terrence Malick: https://www.youtube.com/watch?v=Oohg3LZd898
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