A NARRATIVA BÍBLICA, O NOVO TESTAMENTO E EU
Certamente você já assistiu a algum filme ou peça onde os acontecimentos se desenrolam em uma linha do tempo difusa. É comum nesse tipo de enredo a história ser introduzida com uma cena marcante, geralmente algo que se sabe crucial para o roteiro mas não se entende todo o porquê; é nessa atmosfera que o público é levado aos fatos que conduziram àquele ponto, para só então passarem ao grand finale. Árvore da Vida, de Terrence Malick e A Chegada, de Denis Villeneuve, são bons exemplos dessa contação de história.
A narrativa bíblica tem começo, meio e fim — é só observar o Gênesis e o Apocalipse –, mas muitos cristãos não percebem o todo das Escrituras: perdem a linha lógica do enredo.
Ler ou estudar a Bíblia sem considerar a importância e o momento de cada livro, de cada etapa da revelação divina, pode causar grandes perdas na compreensão do que Deus tem para o Seu povo, tanto falando sobre Si mesmo quanto mostrando Sua vontade para nós. Neste texto vamos observar como o estudo do Novo Testamento ajuda o cristão a entender seu lugar na história divina, que além de contar sobre a realidade que nos cerca, também fala a respeito da humanidade presente: eu e você.
Estudamos o novo testamento considerando a plenitude dos tempos
Na carta aos Gálatas, a expressão usada por Paulo para apresentar a chegada de Cristo ao mundo é a plenitude dos tempos, o tempo certo, o momento exato em que tudo estava preparado para que Jesus encarnasse como homem e iniciasse Seu ministério na terra. Mas por que era o momento da chegada de Cristo? Como Deus havia preparado o contexto, o povo e a história para atingir os propósitos já designados por Ele? Como os discípulos, posteriormente apóstolos, foram impactados com os eventos que se sucederam à ressurreição e ascensão do Messias?
Tal como na imagem desse post, a plenitude dos tempos envolvia um fino equilíbrio entre diferentes momentos na história humana. Deus possibilitou que condições políticas, culturais, econômicas, geográficas, sociais e linguísticas se organizassem de forma a basear o tesouro da Encarnação de Jesus Cristo.
Na teologia, um dos ramos de estudo que possibilita responder essas questões é aquilo que chamamos de teologia sistemática, responsável por organizar o que foi descoberto em cada livro da bíblia. O estudo mais apurado de cada livro ou epístola, considerando as características literárias, o autor, o contexto histórico e a etapa da revelação é feito pela teologia bíblica. Ambas, teologia sistemática e bíblica, auxiliam o exegeta a compreender a narrativa bíblica por inteiro e a responder as questões acima.
Algo que deve ficar claro para nós é que o Novo Testamento guarda as grandes riquezas da revelação de quem é o Cristo. Geerhardus Vos [1] diz que os evangelhos mostram a redenção em sua forma perfeita, que é Jesus. A expressão do teólogo para isso é “fato redentor-revelatório”, porque toda a história aguardava esse momento. Para o ele, as epístolas são a interpretação final de todos os mistérios de Deus que ainda não tinham sido completamente respondidos antes da encarnação do Verbo.
Estudar o Novo Testamento a partir da figura de Cristo nos possibilita visualizar a revelação completa de Deus em Seu Filho amado e testificar, a partir disso, que Ele é o caminho, a verdade e a vida. O nascimento da igreja, a sistematização das verdades doutrinárias, o estilo de vida a ser imitado, tudo isso pode ser compreendido com o exame detalhado dos livros e cartas escritos após a primeira vinda de Jesus.
Estudamos o Novo Testamento considerando o Antigo
Se a chave para a interpretação bíblica é a figura de Jesus e se no Novo Testamento encontramos os evangelhos com os relatos do seu ensino, por que não rejeitamos o Antigo Testamento ou o consideramos apenas um panorama histórico? Entendemos, pelo próprio testemunho bíblico, que “toda a escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, repreensão, correção e instrução na justiça” (1Tm 3.16). A Palavra de Deus é uma unidade de sentido, toda ela costurando os propósitos divinos, seja no tempo presente, no passado ou futuro.
Somos convocados a olhar para Jesus e perceber o significado completo dos rituais, cerimônias, leis e estatutos veterotestamentários, mas também somos convidados a procurar na história do povo de Israel as referências e tradições apontadas no Novo Testamento. Não há como seccionar a Bíblia e desconsiderar o todo do que Deus nos quer mostrar. Herman Bavinck comenta sobre isso dizendo que
“assim como a promessa culmina no cumprimento, também a Escritura do Antigo Testamento culmina na do Novo. Uma é incompleta sem a outra. É apenas no Novo que o Antigo Testamento é revelado, e o Novo já tem seu centro e sua essência contidos no Antigo”. [2]
Conclusão
Assim como desejamos assistir ao final de um filme entendendo a história, devemos desejar estudar as Escrituras cientes de que o narrador não inspira nada sem propósito ou valor. O próprio Deus fez uso da palavra escrita para Se revelar a nós! No entanto, ao contrário do que acontece com o público de um filme, não compreender o enredo da revelação ou interpretá-la erroneamente acaba por desorientar nossa própria existência, já que nós também fazemos parte da história, seja como igreja, seja como alvos do amor do Pai. Esse é um grande incentivo para impulsionar a mim e a você no estudo do Novo Testamento! Encontrar a Cristo nas Escrituras e conhecê-Lo pessoalmente é o maior tesouro que o ser humano poderia adquirir. É a vida — e vida em abundância.
Joyce Melo
*O conteúdo deste texto é de responsabilidade de seu (s) autor (es) e colaboradores diretos e não reflete necessariamente a posição do TeachBeyond Brasil ou de sua equipe ministerial.
Referências:
[1] VOS, Geerhardus. Teologia bíblica: antigo e novo testamentos. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
[2] BAVINCK, Herman. As maravilhas de Deus. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2021. p. 152.
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