Pastor, onde está o seu coração?

Reflexão baseada em Jeremias 17.1-8.

“Aquele que mantém seu coração distante do Senhor demonstra que faz da humanidade mortal a sua força.”

Sabe aquele tipo de comentário que você não planeja ouvir, porém, por estar passando perto, acaba escutando? Pois é, certa vez ouvi dois cristãos conversando sobre um verso do livro do profeta Jeremias que diz o seguinte: “Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor.” (Jr 17.5).

Um deles dizia que não podemos confiar em ninguém, de maneira alguma, pois Deus não Se agrada que Seus filhos tenham esse tipo de atitude. Afirmava, ainda, que muitos cristãos estavam levando suas vidas de maneira equivocada diante de Deus por confiarem em outros seres humanos no cotidiano. Enquanto este seguia o discurso com alguns exemplos, o outro apenas escutava tentando pegar a ideia.

A grande questão aqui é que o texto não afirma que não podemos confiar em outras pessoas; antes, demonstra as consequências de um coração que se afasta do Senhor, removendo a sua segurança de onde nunca deveria ter sido tirada, ou seja, do próprio Deus Trino. Obviamente, tem tudo a ver com quem ou o quê confere a nós verdadeira segurança nesta vida. 

Nabucodonosor é um exemplo de alguém que tinha sua humanidade mortal como única fonte de força. Ele foi humilhado por Deus para que reconhecesse quem realmente era o Todo-Poderoso (Dn 2-4). A nação de Israel, mais especificamente o Reino do Sul (Judá), também precisou de disciplina especial de Deus para que viesse a reconhecê-Lo. Não nos enganemos: Deus disciplina a quem Ele ama (Hb 12.5-6).

Olhemos com maior atenção o trecho que antecede o verso mencionado naquela conversa que acabei ouvindo sem querer. Está em Jeremias 17.1-4 e diz exatamente o seguinte:

O pecado de Judá está escrito com estilete de ferro, gravado com ponta de diamante, nas tábuas dos seus corações e nas pontas dos seus altares. Os filhos deles se lembram dos seus altares e dos postes de Aserá, ao lado das árvores verdejantes e sobre os montes altos e sobre as montanhas do campo. As riquezas de vocês e todos os seus tesouros, eu os darei como despojo, como preço por todos os seus pecados nos altares idólatras, por toda a sua terra. Você mesmo perdeu a posse da herança que eu lhe tinha dado. Eu o farei escravo de seus inimigos numa terra que você não conhece, pois acendeu-se a minha ira, que arderá para sempre. (NVI)

O que vemos aqui?

A situação da nação de Judá:

Afastou-se de Deus;

Envolveu-se com idolatria, contrariando o 1º mandamento: “Não terás outros deuses” (Êx 20.3).

CONCLUSÃO:

Confia em si própria para alcançar seus objetivos, isto é, “vive à sua maneira”, buscando segurança em coisas criadas.

A consequência do pecado da nação de Judá:

Perderia toda a sua riqueza e tesouros (ver Jr 17.11);

Perderia a posse da herança (Nova Canaã, prometida a Abraão);

Se tornaria escrava da Babilônia (cativeiro como castigo de Deus). 

CONCLUSÃO:

Por não obedecer a Deus e depositar sua segurança nEle, Judá trouxe consequências drásticas para si própria.

Pastor, onde está o seu coração? As demandas têm feito a sua devoção escorrer por entre os dedos? As pessoas têm sugado a sua energia a ponto de você pensar em desistir? Os pecados persistentes têm afligido sua consciência de tal maneira que o sentimento de inadequação ministerial é frequente?

Nas palavras de Patricia D. Brown,

A falha dos líderes em lidar com suas almas, sua vida interior, é profundamente preocupante não somente para eles mesmos, mas também para outras pessoas na miséria que causam. As consequências destrutivas de líderes que falham em desenvolver um profundo sentido de seu eu interior são estarrecedoras […]. Líderes têm uma responsabilidade específica em conhecer o que acontece dentro de suas almas.

Conforme o relato de Jeremias 17, Judá vivia distante de Deus e bem apegada aos falsos deuses, um hábito adquirido por sua convivência e cumplicidade com o Egito, a Assíria e outros povos que os cercavam. Israel, porém, como um todo (Norte e Sul, Israel e Judá) deveria seguir os Dez Mandamentos entregues a Moisés no Sinai, vivendo como povo santo e consagrado ao Senhor.

Por não obedecer, Israel, o Reino do Norte, recebeu castigo divino através das mãos assírias, enquanto Judá, o Reino do Sul, foi invadida e levada em cativeiro pelos babilônicos. Zedequias, rei de Judá, foi quem presenciou o golpe final dos exércitos de Nabucodonosor. Jerusalém foi destruída e saqueada, além de ter seu número de habitantes reduzido devido à marcha dos demais rumo à Babilônia.

Pouco antes disso acontecer, quando Judá percebera que realmente aquilo tudo que Jeremias estava profetizando iria se concretizar, pediu ajuda egípcia para lutar contra a Babilônia (Jr 37), como se pudessem impedir os justos planos divinos. Isso mostra que, além de confiarem nos falsos deuses e decididamente negligenciarem o verdadeiro Deus de Israel como seu único Deus, ainda enxergavam e dependiam de outros povos (no caso, o Egito) como fonte de proteção e força para a sua existência.

É nesse contexto que o texto de Jeremias 17.5 se encaixa com maior clareza. Por outro lado, também é nesse mesmo contexto que o texto de Jeremias 17.7 se faz presente, contrastando o comportamento do homem do verso 5. Somente após a compreensão histórica dos fatos podemos compreender o verdadeiro sentido das expressões “maldito” e “bendito”.

Olhemos com maior atenção o trecho que sucede o verso mencionado naquela conversa que acabei ouvindo sem querer. Ele está em Jeremias 17.5-8 e diz o seguinte:

Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor. Ele será como um arbusto no deserto; não verá quando vier algum bem. Habitará nos lugares áridos do deserto, numa terra salgada onde não vive ninguém. “Mas bendito é o homem cuja confiança está no Senhor, cuja confiança nele está. Ele será como uma árvore plantada junto às águas e que estende as suas raízes para o ribeiro. Ela não temerá quando chegar o calor, porque as suas folhas estão sempre verdes; não ficará ansiosa no ano da seca nem deixará de dar fruto. (NVI)

O que vemos aqui?

O “maldito”:

Sofrerá como um arbusto no deserto: sem condições geográficas e climáticas para dar frutos;

Estará distante do Deus Provedor.

CONCLUSÃO:

É aquele que confia na humanidade mortal como sua fonte de força.

O “bendito”:

Dará frutos como uma árvore plantada junto às águas: com ótimas condições geográficas (próxima ao ribeiro), refresco e provisão;

Estará próximo do Deus Provedor.

CONCLUSÃO:

É aquele que confia no Senhor como sua fonte de força.

Pastor, onde está o seu coração? As demandas têm feito a sua devoção escorrer por entre os dedos? As pessoas têm sugado a sua energia a ponto de você pensar em desistir? Os pecados persistentes têm afligido sua consciência de tal maneira que o sentimento de inadequação ministerial é frequente?

Conforme David Benner,

Um conhecimento completo de si mesmo em relação a Deus inclui reconhecer três coisas: nosso “eu” é profundamente amado por Deus; nosso “eu” é profundamente pecaminoso; e nosso “eu” está em processo de ser redimido e restaurado.

Muitas vezes, pelo fato de sermos pastores, caímos na falácia do “super-homem” ministerial, que deve estar sempre bem e pronto a atender qualquer chamado urgente. Esquecemos que somos de carne e osso e acabamos incorrendo no erro de achar que podemos resolver tudo na força do nosso braço. Deixamos de preservar nossa devoção ao Senhor e reservar tempo para a família e o descanso. Dessa forma, quando menos esperamos, estamos pedindo ajuda ao Egito para resolver nossos perrengues.

Que o bondoso Deus Trino nos permita conhecê-Lo acima de todas as demais coisas. Que Ele faça tudo que não seja Ele próprio perder o brilho em nosso olhar sedento por sentido. Que Ele nos ensine o caminho da cruz, da morte, da abnegação e do serviço que transcorre totalmente dependente dEle em tudo. Que Ele mesmo Se encarregue de nos manter perto, fugindo de toda forma de pretensa autonomia.

“Aquele que mantém seu coração distante do Senhor demonstra que faz da humanidade mortal a sua força.”

Referências:
BROWN, Patricia D. In: DIRKS, Morris. Forming the Leaders Soul: an invitation to spiritual direction. Portland: SoulFormation, 2013. p. 11.

HOUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Editora Vida, 2005. p. 380.

WALTKE, Bruce K. Teologia do Antigo Testamento: uma abordagem exegética, canônica e temática. São Paulo: Edições Vida Nova, 2020. p. 936ss.

BENNER, David. The Gift of Being Yourself: the sacred call to self-discovery. Downer’s Grove: IVP Books, 2004. p. 72.

Texto: Ednardo Duarte
Revisão: Luiza Zagonel

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